De repente me encontro pondo um boletim e um caderno com figuras e rabiscos lá em uma estante que, cheia de prateleiras ainda vazias, me mostram que há muito espaço ainda.
Percebo, neste dia, quase atônito que no salão há também prateleiras e estantes antigas, com volumes empoeirados, coloridos e escuros, alguns quase aos frangalhos e outros bem cuidados.
Vou continuando a escrever meus volumes e houve um tempo em que, por revolta, quis trocar as capas dos já escritos e digo a todos que são inéditos e nunca ninguém havia escrito algo tão original.
Algumas das pessoas da sala estão tão ocupadas em escrever seus próprios volumes que as vezes nem percebem o jovem já está com algumas prateleiras preenchidas.
Então, em uma certa época, os mais antigos da sala começam a retirar alguns livros da estante para lê-los, mas estou muito ocupado com meus próprios volumes e não tenho tempo para ouvir aquelas histórias antigas.
Um dia chega em que os antigos colocam seu último volume escrito em seu último espaço de prateleira, e em um passe de mágica toda aquela história escrita em livros, folhetins, brochuras e pedações alheios de livros não preenchidos, viram pó e são retirados todos e a estante se torna uma lembrança.
Percebo agora e, contemplando minha estante, vejo os novos com suas prateleiras, algumas repletas, e não tenho ideia alguma como foram escritos ou mesmo o que conta cada um.
Quero ler alguns dos meus volumes para eles, mas estão ocupados escrevendo suas próprias histórias, nesta hora percebo que já sou um dos antigos, ou antepassado, ou velho, que ocupa um espaço nesta grande biblioteca da vida.
Dai pego alguns volumes e os fico lendo em voz alta e sozinho para rever e festejar o que vivi.
Um dia a biblioteca solicita meu espaço e percebo que a minha hora chegou e mesmo, com espaços ainda por preencher, lembro dos meus feitos e pego volumes para ler e, algumas vezes, tentando reformá-los ou mesmo trocar capas contemplo com prazer do dever cumprido e com vontade de, será que demora mais um pouco para eu preencher o restante. Será que se eu continuar escrevendo haverá tempo.
Agora, sem muitas forças, continuo, sem lembrar todas as palavras e letras, a escrever os volumes restantes. Cada página é escrita com esmero, pois há muita história escrita com esta pena.
As vezes falha a pena e algumas palavras e frases não registram mais, até o dia em que gasto as últimas gotas de tinta e eu mesmo vejo a minha estante virar pó.
SP 02/02/2021
A vida
Se eu morresse agora, algumas pessoas chorariam de saudade, outras por ter estado comigo, outras até de felicidade, mas no final das contas, meus livros, conhecimentos, bens, e dívidas, outros cuidarão. Até a cova onde irei residir, até outro necessitar do espaço que ocupo com os restos que me restam.
Sirvo para que mesmo?
E os discos, as fotos de viagens que eu fiz, as lembranças dos lugares que visitei, serão, quem sabe, guardadas por algumas pessoas, ou em um saco preto de lixo, para, sabe-se lá onde depositaram, e estarão semelhantes a mim.
Tudo o que resta são lembranças de alguém que alguns até o nome sabem.
E ai estarei eu e minha história, só quem sabe onde.......